segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Mundo Líquido: a negação da própria humanidade

Zygmunt Bauman, além de sociólogo, foi um dos intelectuais mais influentes do início do século XXI. Desenvolveu e cunhou o conceito de modernidade líquida que, segundo ele, a sua principal característica é derreter os sólidos que a sociedade recebe: estruturas políticas, econômicas e sociais, assim como as relações estabelecidas entre pessoas. Estas são dissolvidas e muito rapidamente, substituídas por estruturas tão frágeis quanto as anteriores, chegando enfim na liquidez, que não tem estrutura, nem forma.
No estudo de Bauman, a liquidez é uma metáfora para a instabilidade e inconstância em que vivemos, estendendo-se para todos os pilares que formam uma sociedade. Construir estruturas leva tempo, requer esforço e energia. E é aqui que quero chegar: a cultura do imediatismo. Tudo é muito rápido, inconstante e imediato. Todas as mudanças chegam numa velocidade impossível de acompanhar, o que nos dá uma sensação de sempre estarmos perdendo algo, absorvendo pouco e rendendo muito menos do que é proposto, seja escancaradamente ou nas entrelinhas. Para o imediatismo, nunca somos suficientes.
Exemplo disso, são as redes sociais que nos trazem a ilusão de que causamos impacto na sociedade e que por isso devemos exercer o papel de influenciadores, mostrando uma vida perfeitamente editada. Mas até mesmo essa ilusão é rapidamente dissolvida e substituída por pura e amarga frustração. Daí compramos a ideia de produzir o máximo possível e, pouco a pouco, esquecemos de como é viver sem se instagramear.
Para além disto, a cultura do imediatismo vem atrelada a uma positividade excessiva, de que tudo deve ser muito bom, muito perfeito e absolutamente funcional. Mas o ser humano não é inteiramente bom, tampouco perfeito e, definitivamente, não somos 100% funcionais. Há a demonstração berrada de uma felicidade plástica e editada. Nos bastidores, vivemos uma infelicidade que é potencializada, justamente pelo excesso de máscaras, escondendo insatisfações legítimas (ou não). É como se estivéssemos renunciando a imperfeição natural do ser.
Perdemos os valores sólidos aos quais poderíamos nos agarrar quando a maré é mais forte. E não estou fazendo referência ao conservadorismo cego que as gerações anteriores vivenciaram e que alguns ainda tentam impor aos dias de hoje. Não. Estou falando sobre estruturas que poderiam ser mutáveis, não dissolvidas. Tudo é instantâneo, logo, tudo é inseguro.
Um bom exercício de auto percepção é, sem pensar muito, responder para si quem você é. Você consegue? E se alguém te perguntasse agora o quê e como você se sente, você saberia responder? Aí está: muita informação, pouca formação, sobretudo formação de opinião. Tomamos decisões à partir do que encontramos na internet e, acreditamos que se está em solo cibernético, é verdade e verdades não devem ser contestadas.
Diariamente, somos instruídos no que vestir, o que comer, o que comprar, onde investir, em quem votar, com quem sair, quando transar, como seduzir, como se distanciar e assim por diante. Perdemos a nossa autonomia e a ideia de livre-arbítrio é cada vez mais rasa. Nos tornamos reféns de nós mesmos e dos nossos hábitos de consumo.
Em tempo: este não é um manifesto contra a tecnologia. Não fosse por ela, você não estaria lendo este texto agora. A tecnologia não é o problema. Nós e a forma como a utilizamos é o problema. Portanto, é preciso estar atento a própria autonomia e consciente do alto preço por abrir mão dela.
Por fim, “Tudo é mais fácil na vida virtual, mas perdemos a arte das relações sociais.”
Zygmunt Bauman.



domingo, 15 de setembro de 2019

O que a vida quer de você?

Pouquíssimas pessoas, independente de idade, sabem o que querem da vida. Tenho amigos de 50 que ainda não sabem, e não há nada de errado nisso. Opções incontáveis se apresentam para nós desde muito cedo. E o que escolhemos prematuramente, nem sempre é o que nos completa. Mas você já se perguntou o que a vida quer de você?
Desde que o mundo é mundo, vivemos em constantes ciclos de questionamentos onde, as possíveis respostas estão sempre cravadas nos extremos. Ou somos nada e não há significado para a nossa existência, seguindo pela filosofia niilista, ou somos tudo, os únicos seres de todo o universo com capacidade cognitiva, seguindo pela filosofia criacionista. E entre um questionamento e outro, uma resposta meia boca e outra, vamos vivendo. Misturados uns aos outros, seguindo uma ideia, uma tribo, ou uma verdade conveniente a determinado momento e, inevitavelmente, perdemos nosso bem mais valioso: tempo.
Estamos, quase sempre, presos a uma vontade desesperada de pertencimento. E nessa lida, nossa subjetividade se perde, perdendo-se também a possibilidade de saber realmente quem somos, individualmente. Se nos ocupamos tanto em seguir o bando e as trips das nossas bolhas, em que momento temos tempo para se conhecer e conhecer as nossas próprias visões, sem interferência externa?
É preciso estar atento e forte, sim. Sobretudo sobre o nosso tempo e como usufruímos dele.
A vida, independente dos seus planos, conquistas ou fracassos, é inconstância. Estamos em movimento e mudanças sempre. Contrariando nossa cultura de apego a tudo, todos e qualquer coisa, é preciso lembrar que, nada, absolutamente nada é para sempre. Tal como a própria vida não é estática. Insistir nessa dinâmica de apego é, inevitavelmente, um caminho para o sofrimento. Onde não há fluxo, não há vida. E se não há vida, não há nada além de morte. Seja ela física, filosófica ou ideológica. Precisamos aprender a deixar ir.
Nada é. Tudo está. Se as coisas não estão muito boas, a tendência é que melhorem. E se as coisas estão muito bem, a tendência é o declínio. Assim é o ciclo da vida com seus começos, meios, fins e este ciclo não acaba até que um sopro nos leve embora. Não girar junto com esta roda viva e permanecer estático na tentativa de se abster, já é uma escolha. Toda renúncia é uma escolha. E todo silêncio é uma resposta.
É reconfortante pensar que se as coisas não andam bem, logo passará. A tempestade se acalma no auge da sua destruição. Por isso, mais importante do que se abster ou se apegar as miudezas desta vida, é entender e absorver de uma vez por todas um dos maiores clichês da existência humana: tudo passa. E quando estiver tudo bem de novo, saboreie cada segundo, sem medo de ser hedonista. Aliás, sem medo de ser. Porque tudo o que a vida quer de você é coragem.




segunda-feira, 9 de setembro de 2019

As perdas e A Teoria do Apego

Todos nós lidamos com perdas diariamente. Seja a perda das chaves até a perda de alguém para a vida e outros deleites, ou até mesmo a perda para a morte. O fato é que as perdas estão sempre presentes no nosso cotidiano, gostemos ou não. E entre uma perda e outra, nosso emocional vai se modificando, geralmente se enfraquecendo. De todo modo, nenhum de nós está imune a alterações emocionais. O que difere uns dos outros, é o modo em que encaramos os apegos e desapegos que nossos caminhos nos proporcionam.
É aqui que entra A Teoria do Apego, criada pelo psicológico e psicanalista inglês, John Bowlby, que em meados dos anos 50 e 60, se dedicou a escrever e estudar sobre as dinâmicas dos nossos relacionamentos monogâmicos e a forma em que nos apegamos as pessoas. Nestas décadas de estudo, Bowldy notou que haviam tipos de dinâmica recorrentes, e as dividiu em três grupos de pessoas. A pessoa do tipo A é caracterizada como segura, saudável, e que não tem dificuldades em criar, nem desfazer laços. 
A pessoa do tipo B é tida como ansiosa. Que está sempre com medo de ser deixada para trás ou abandonada.
E a pessoa do tipo C que é distante/dissociativa. É a pessoa que se sente sufocada pelo excesso de afeto.
É importante ressaltar que a maioria das pessoas não se encaixa no tipo A.
Geralmente estamos encaixados nos tipos B e C, simultaneamente, dependendo das relações em que vivemos.
Todas essas dinâmicas não surgem do nada. Estas estão diretamente ligadas a pequenos ou grandes traumas da infância. E de antemão, é preciso entender que, encaixar-se nos tipos mais problemáticos de comportamento, não nos torna pessoas ruins. Significa apenas que estamos ou fomos machucados e que as perdas constantes que sofremos, não foram superadas.
Para além deste estudo, é comum nos apegarmos constantemente a alguém, a um bom emprego, estabilidade financeira e emocional, ou a um estado de espírito. Para nós, tipos B e C, é difícil conciliar a ideia de que tudo chega ao fim, embora esta seja a única certeza que temos, ou até mesmo lidar com afeto excessivo. 
E, gradativamente, esta negação de realidade, nos deprime, nos adoece. E este é um dos passos para transtornos psicológicos mais graves.
Não há nada de errado em quebrar-se quando a corda no pescoço aperta. É natural do ser humano seguir por este caminho e buscar qualquer tipo de fuga. Se você que está lendo este texto está sentindo-se quebrado, saiba: você está sendo apenas humano e está tudo bem.
É importante entendermos nosso passado, nossa história e as dinâmicas de comportamento que vieram muito antes desta dinâmica atual se estabelecer. E por mais clichê que pareça, autoconhecimento é a chave para abrir aquele quartinho escuro de emoções reprimidas, e dar uma boa geral nele. É preciso, sobretudo, ir fundo em si mesmo, por mais doloroso que isso pareça. Toda cura e todo anestésico emocional está dentro de nós. Não há resposta fora. E este é o principal e mais admirável trabalho da psicologia: extrair as dores e colocá-las na mesa para que elas possam ser enfrentadas, resolvidas e, principalmente, perdoadas.
Como última, mas não menos importante sugestão de auto análise, recomendo que você fale. Apenas fale em voz alta. Dê nomes as aflições. Quando a gente fala e, consequentemente se escuta, aprendemos muito sobre nós e entendemos melhor nossos problemas. É preciso dar nome as coisas. Não há nada melhor do que conversar consigo mesmo, afinal você será sua mais fiel companhia pelo resto da vida. Mas caso você se sinta desconfortável em falar sozinho e no momento não exista a opção de fazer terapia, existe um canal de comunicação que funciona 24 horas, onde você pode desabafar e finalmente dar nome as suas dores. Existem voluntários sempre disponíveis para te atender, sem julgamentos. Eles querem, acima de qualquer coisa, te ouvir e te fazer se ouvir. O CVV oferece apoio emocional de forma sigilosa e com todo respeito. O telefone deles é o 188 para todo país. Mas clicando aqui, você encontra outros meios de se comunicar, caso deseje falar de outras formas.
Para finalizar, tá todo mundo mal. E se estamos todos mal, estamos juntos nisto também.
Você não está sozinho.





quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Todos nos tornamos nossos pais

Não existe família perfeita.
Nem todas têm pais amorosos e com responsabilidade e nestes casos, existem problemas sociais e estruturais entranhados nessa dinâmica.
Sabemos (ou deveríamos saber) que não existem soluções fáceis para problemas difíceis. Somos, inevitavelmente, frutos do meio, porque é a dinâmica que conhecemos. Dito isso, não confundir estrutura social e relações abusivas com divergência de visão dentro do convívio familiar. Convivência é difícil em qualquer lugar, até mesmo numa aldeia hippie (inclusive, saudades). Não seria diferente no âmbito familiar. Principalmente no âmbito familiar.
Passei muito tempo, especialmente a adolescência, tendo problemas de convivência com a minha família. Todo adolescente tem a fantasia de mudar o mundo, começando pela própria casa. E eu achava que discordar era o suficiente para me tornar a própria Virginia Woolf revolucionária. Por isso, discordava energicamente de comportamentos que, hoje eu sei, estavam muito além do meu entendimento naquela época. Todos esses problemas eram, geralmente, direcionados a minha mãe. Vou me ater apenas a ela, porque o meu pai já partiu, portanto alcançou a perfeição. A morte tem o hábito de ressaltar as qualidades de quem ela abraça.
Em discussões mais acaloradas, costumava dizer que jamais seria como ela. Fazia críticas duras sobre seu olhar pouco romântico em relação a vida, vício em organização, preconceitos e feridas que ela trouxe consigo, graças a sua criação e que por sua vez, também fazia críticas duras a mãe dela. Samsara: ciclo vicioso.
No fim das contas, todos nos tornamos nossos pais. Talvez isso lhe possa parecer absurdo, dependendo do seu ponto de vista ou em que pé anda sua vida. Mas em algum momento, você concordará e provavelmente, vai rir dessa ironia. Em momentos em que me distanciei dessa convivência, por vezes me peguei fazendo as coisas que mais me irritavam na minha mãe. Perdendo a ludicidade, me sobrecarregando da vida prática, reclamando ao acordar, tendo verdadeiro vício por organização e me irritando com visitas que tiravam as coisas do lugar. Tudo isso acontecia de maneira tão natural que quando me dei conta só pude rir. Eu fui a piada. Todos nós fomos um dia.
Acredito que os filhos chegam para ensinar os pais a terem paciência. E os pais, no deserto da dúvida se estão fazendo o certo ou não, seguem o caminho oposto. Seguem pela impaciência. E tá tudo bem, estamos todos aprendendo.
Eu não sou mãe. E não sei se um dia serei. Mas à essa altura da vida, consigo entender e até mesmo reproduzir muita coisa que antes me causava estranheza.
Aquela garota que ia mudar o mundo, não está necessariamente em cima do muro. Está na parte pouco extraordinária, passando um café às cinco da tarde. Hoje, sou mais parecida com minha mãe do que em qualquer outro momento da minha vida.
Procuro não esquecer o casaco, porque sempre pode esfriar. Desligo o registro do gás, verifico as janelas e sempre vou ao banheiro antes de sair. A verdade é que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.".
Belchior e seus presságios batidos, sempre presentes e, ainda assim, tão atuais.



quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A projeção do que é ser mulher na sociedade e na ficção - O que se espera de nós?

A projeção do que é ser mulher na sociedade e na ficção - O que se espera de nós?

Desde os primórdios da nossa querida e saudosa infância somos incutidas a acreditar que existem apenas 2 modelos de mulher a serem seguidos: a Maria virgem e abençoada ou a Maria puta em busca da salvação advinda de um homem. Seguindo o molde casto, temos ainda as princesas Disney, solitárias e torturadas por outras mulheres que, cumprem seu papel de inimigas para sempre, reforçando a ideia batida da rivalidade feminina. Isto baseado nos padrões físicos e emocionais. Princesa: bela, magra, pés miúdos e frágil. Bruxa: feia, com traços masculinos (em aparência e personalidade) e sobretudo, malvada. Em todos os contos de fada, elas brigam por um homem, sofrem por um homem e são salvas por um homem. Temos ainda as Helenas mártires da dramaturgia que forjam uma força descomunal na luta pelo amor de um... Homem. 
Mas você já se questionou quem escreve essas histórias? Quem roteiriza o comportamento da mulher na ficção? Quem é que dita o que é ser mulher?
Bem, não vou fazer mistério, afinal de contas não é surpresa que essas histórias foram escritas por homens. Sim, o ideal do ser mulher é projetado por homens.
Lá atrás, na Grécia antiga, Aristóteles declarou que "A arte imita a vida". Traduzindo: todo registro cultural faz referência a vida, a realidade. Já na Inglaterra Vitoriana, Oscar Wilde resignificou a frase, dizendo que "A vida imita a arte". Significa que todo o hábito de consumo cultural se reflete na estrutura da sociedade. Logo, as mulheres retratadas em todas estas narrativas tornam-se o padrão ideal, seja em pureza ou promiscuidade. A projeção de perfeição feminina está pautada na benevolência e submissão e este é o padrão considerado adequado e atrativo. Aquelas que estão fora deste padrão, seja por terem despertado para si ou por simplesmente não se encaixarem, são taxadas como loucas, desconexas, barangas, feminazis, ou... Bruxas.
A mulher que se rebela dessas amarras faz o caminho contrário às expectativas depositadas nela desde sempre. Espera-se que o papel dela seja de compreensão absoluta, perdão incondicional e o alento sempre disponível. É aquela história de sentimento materno que toda mulher tem. Mas será que tem mesmo?
Voltando-se para a vida real, o cotidiano cru, pasmem, somos seres individuais! Carreira, entretenimento, auto cuidado, ambições, crescimento e tudo o que preenche o ser, se aplica também a mulher (perdoem dizer o óbvio). Ao contrário das projeções, não somos coadjuvantes de nossas vidas, tampouco centros de reabilitação dos outros. Ser parceira ou companheira de alguém é apenas uma característica. Não a definição, entende?
Tenha em mente que você, mulher, pode ser o que quiser, quando quiser e se assim quiser.
Em pleno 2019 estamos discutindo o comportamento adequado da mulher. Lutando pelo direito ao próprio corpo, destino e escolhas. Sabe por quê? Porque como Oscar Wilde pontuou, a vida imita a arte. E a representatividade feminina na cultura ainda é, majoritariamente, escrita por homens que, mesmo (alguns!) bem intencionados, não conhecem o que é ser uma mulher. É preciso tomar o controle do protagonismo feminino. Precisamos escrever, dirigir, atuar a nossa história, do nosso ponto de vista, tendo em vista nossas vivências reais. É preciso ocupar os espaços e é para isso que estamos aqui.
Sejamos as bruxas tão temidas. Ou mesmo as princesas, mas estas refletidas na realidade, não na ficção. Sejamos Lilith que foi expulsa do paraíso por não corresponder às expectativas de Adão e do Deus hebreu. 
Hoje temos muito mais voz e estamos conquistando o nosso lugar de fala cada vez mais.
Coloquemos as nossas próprias expectativas sobre nós em pauta.
Isso é tudo o que importa: sermos protagonistas da nossa própria história. Ficcional ou não.




segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Amor próprio nos dias difíceis - Os bastidores de nós

Muito se fala em amor próprio e da importância de se amar sempre. Eu mesma vivo batendo nessa tecla. Mas e os bastidores de nós? E quando o discurso não condiz com a realidade? Vivemos hoje numa realidade editada, cheia de filtros e pensamos que a grama do vizinho é sempre mais verdinha. Mas, provavelmente, a grama do vizinho também está cheia de filtros instagrâmicos. A gente se pega almejando o que não é real. Isso nos faz pensar que só os nossos dias são difíceis. Ledo engano.
Nossas emoções são muito mais complexas do que pensamos. Muitas atitudes são reflexos de acontecimentos que sequer lembramos, mas estão lá, no inconsciente. Somos movidos por gatilhos. Há inúmeros estudos sobre a mente humana, mas até hoje permanecemos mistério. Por vezes, palavras aparentemente inofensivas, despertam sentimentos que jamais conhecemos até que eles aflorem. Portanto, somos eternamente desconhecidos à nós mesmos. Mas o que isso tem a ver com amor próprio? Bem, amor próprio é construção. E toda construção leva tempo. Geralmente para construir é preciso demolir o que existia, fazer uma boa faxina e só depois da queda e da ruína, temos a possibilidade de recomeçar. Reconstruir. Para isso que servem os dias ruins. Quando está difícil demais ser gentil consigo mesmo, sugiro que não seja. Não seja hipócrita contigo. Além da era dos filtros, estamos também na era da gratidão no matter what. Não importa o que ou como você está se sentindo: gratidão. Esse tipo de positividade é tóxica. Emular seus sentimentos não vai ter fazer sentir melhor. Falar sobre eles vai. Mesmo que seja uma conversa íntima consigo mesmo. Diz o que dói, onde dói. Mexe nas frustrações, no incômodo. Diz no espelho tudo o que não gosta. Quebra, desmantela o que aflige e só depois construa uma nova visão de si. Perceba o tanto de demolições e construções pelas quais você já passou e sobreviveu, atento e forte. Porque amar é ser sincero. Se você não consegue ser sincero contigo, não conseguirá ser com ninguém.  A cura nunca foi ignorar os sentimentos e sim colocá-los na mesa. Absorver o que for relevante, filtrando o que serve, ajeitar as partes machucadas. Isso é amor próprio. Voltar sua atenção para você, independente de como você esteja se sentindo. É fácil se amar nos dias bons. Mas é edificante se amar nos dias ruins.





quarta-feira, 17 de julho de 2019

O homem comum x A entrega ao Absurdo

O objetivo do ser humano é o saber, o entender.

Decifrar a si e o mundo.

Mas ignora o absurdo, que se desprende de razão, ao qual precisa encarar para finalmente saber.

E por medo ou autopreservação se esquiva do entender.

Leva em consideração apenas o seu horizonte linear que, em sua projeção, o leva a conhecer.

Enquanto o absurdo, independente de sua vontade, o espera às portas do fim.

Como o homem que confronta o guarda por querer entrar na única porta que lhe pertence.
E o guarda lhe pede paciência e alimenta sua esperança de pertencer.

Descobrindo, apenas no fim, que o seu ofício era insistir.
E o ofício do guarda era não permitir.

Conclui por fim, que o conhecimento não era linear: era circular.
E sempre foi assim.




quinta-feira, 11 de julho de 2019

De mim aos 28 para mim aos 18 anos

Tenho lembrado de você e pensado muito em nós. E, nos olhando hoje, vejo o quanto você era doce, boba e ingênua. Descobri que mesmo que não se perceba, a vida foi amargando a gente aos pouquinhos. Eu já não tenho mais aquele seu riso frouxo embora eu ainda sorria exageradamente.
Muita coisa mudou. E em meio a tantas andanças, gostaria de dizer tudo e tanto que nunca disse e você precisava ouvir.
Como esse relacionamento em que você está: é abusivo e no fundo você sabe. Você não sabe perder, mas precisa aprender. Mas não importa o que os seus amigos digam, ou seus pais ou o eu de agora, nada vai mudar sua visão. Você ainda é muito cabeça dura. Eu ainda sou. E se você não fosse tão cabeça dura, talvez eu não estivesse aqui, exatamente neste ponto de vista. Neste ponto da vida.
No entanto, não quero me apegar aos "e se's" que deixamos pra trás.
Me entristece perceber que você não se vê. Além de linda, é inteligente, esperta, pega as coisas no ar, embora solte-as com a mesma facilidade em que as pega. Você é forte, mas não sabe.
Sobre seus pais: eles também estão crescendo. E você faz parte do crescimento deles tal como eles fazem parte do seu.
Os próximos 10 anos trarão muitas surpresas, sabe? Algumas não tão boas, outras maravilhosas e outras facilmente esquecíveis. Você vai conhecer muita gente. Se afastará de alguns, reforçará laços com outros e vai amar e ser amada muitas e muitas vezes! Para essas dores que agora insistem em ficar, você terá as respostas que tanto busca no devido tempo. E eu te daria essas respostas se pudesse realmente te alcançar.
Alerto que você conhecerá muitos imbecis ainda. Mas quanto a eles, não se preocupe. Não vão demorar e só vão desperdiçar um pouquinho do seu tempo. Alguns deles tentarão entrar apenas no seu corpo, enquanto outros desejarão ir mais longe, tentando entender sua cabeça, seus desejos e principalmente sua liberdade.
Inclusive, pare de se culpar por ser assim, tão "pra frente". Faz parte da sua essência e nenhum discurso moralista vai mudar isso. Pare de se esconder de si mesma, de outras pessoas, do mundo. Seus aprendizados serão mais claros quando você decidir finalmente ser você.

  • Nota: esse texto começou assim, com conselhos que eu me daria se eu me pudesse encontrar há 10 anos. Eu poderia ter apagado ou ignorado essa linha de raciocínio, como se nada houvesse. Mas não faria sentido esconder o contraste que se apresentou pra mim enquanto eu escrevia. Enquanto eu narrava um possível diálogo entre meu eu aos 28 e o meu eu aos 18.


Depois de mostrar pra aquela menina o quanto amadurecemos, o quanto crescemos e, olhar pro passado como uma salvadora de mim mesma, muito madura e articulada, a menina do passado me disse sorrindo, com uma gentileza que é só dela: nós não precisamos ser salvas.
E me abraçou no reflexo de um espelho que há muito eu ignorava por medo ou preguiça de confrontar tudo o que, com calma e paciência, me pedia um pouco mais de atenção.
Fui eu, tão evoluída e madura, quem chorou no colo da minha menina do passado.
Aquela menina superou coisas que hoje me assombram. E ela nem tinha estrutura para tanto.
Visitei nossas memórias e os primeiros textos, alguns de quase 20 anos atrás, tão mais existencialistas que os de hoje. Ela era forte e sabia.
E foi ela que, mesmo sem tantas ferramentas, me fez permanecer forte. O tempo passa e a gente acredita que a crescente evolução do nosso eu é uma constante. Quando na verdade, evolução não é crescente. É circular. Evoluir é entender que a vida é ciclo. E essa é a única constante.
Ao se perder da gente, é preciso fazer o caminho de volta e buscar respostas com quem mais te conhece: você.
Porque tudo (ou quase tudo) que você está passando agora, provavelmente já passou, já foi resolvido em outro tempo, embora sejam dores pontuais que sempre voltam pra que a gente possa reaprender, relembrar. Ferir e cicatrizar.
Agradeça a sua menina de ontem por ter te transformado na mulher de hoje.
Você sempre aprenderá algo ao revisita-la.




segunda-feira, 8 de julho de 2019

Você fica tão sozinho as vezes que até faz sentido

Você fica tão sozinho as vezes que até faz sentido.
Esse é o título de um dos livros de poemas do Bukowski (inclusive, para os existencialistas de plantão, recomendo fortemente). Mas não é sobre o livro ou sobre Bukowski que vim falar. É sobre o hábito de ficar sozinho e se acostumar de tal maneira que, conviver com outra pessoa parece um tanto desconfortável.
Somos moldados por hábitos e rotinas. E quando sua rotina é quebrada por interferência externa, as reações são as mais diversas, de moderadas à extremas.
A solidão propõe autoanálises de dar nó e é natural que seja assim. Mas do nó se faz laço que gera autoconhecimento. Gradativo, vale ressaltar. Requer tempo e paciência. É metamorfose à longo prazo. E nesse processo, cuidemos dos nós. E de nós. Coisa que não é tão fácil quanto parece. Se perceber por si só já é bem difícil, as distrações são incontáveis. É preciso desacelerar.
Das reações diversas, sou intima de duas: a exagerada expectativa no outro, ou a rispidez quase que sem notar. A segunda, particularmente é o que me preocupa. Afinal, expectativa é excesso de amanhã. E ando cansada demais para acelerar até o futuro mais próximo. Além do mais, o amanhã não tem de doer. Ou pelo menos não deveria.
Já a rispidez involuntária, meio que sem querer, machuca quem não tem nada a ver com as suas conversões. A grande questão é se perceber o suficiente pra evitar farpas em você e nos outros.
Acontece que estar só é muito mais confortável (quando é rotina). E com tanta facilidade de comunicação (ou isolamento), as pessoas estão à um click de distância. Interagir pessoalmente já não é mais tão interessante. Já não visitamos uns aos outros, limitamo-nos a visitar feeds.
Acabamos valorizando mais os números de seguidores nas nossas redes e esses não questionam, nem pedem explicação. Mas você já se perguntou onde estarão seus seguidores quando você realmente precisar deles? Quando a demanda não for engajamento, mas amparo? Ou quando a solidão finalmente virar laço e, você precisar, desejar e até salivar com a possibilidade de uma interação mais palpável? 
 A sensação é de que desaprendemos a conviver. A solidão real e cotidiana torna-se hábito. E o silêncio se torna personagem. Eu esperava trazer respostas aqui. Mas saí com mais perguntas. No entanto, estimular o questionamento já é um grande passo.

Eu não sei em qual momento você está. Mas talvez, pode ter chegado a ocasião de ser um bom anfitrião da sua própria vida. Deixe vir e, se a estadia for breve, agradeça a visita.
E como lembrete final: “eu levei um longo tempo para encontrar a pessoa mais interessante com quem beber: eu mesmo.” (a última dose)
Bukowski sempre acerta.


terça-feira, 25 de junho de 2019

Como perder o medo de flertar em 5 dicas


Antes de tudo, precisamos aliviar essa tensão: flertar é, e deve ser delicioso, despretensioso e divertido. Porque em teoria, o sentido de flertar é leve, tranquilo e sem expectativas. No entanto, quando chegamos a prática, flertar parece uma tarefa árdua e amarrotada de possíveis rejeições. Mas calminha aí! Estamos aqui para ajudar umas às outras. E como boa sagitariana que sou, flerto até em fila de supermercado. Portanto, vim aqui pra acalmar seu coraçãozinho e te ajudar neste prazeroso ofício.

Flertar consiste em um diálogo despretensioso com umas gracinhas à gosto. Por isso não se leve tão à sério, muito menos leve o outro à sério.
Não espere conhecer seu futuro amor partindo de um flerte. Pode acontecer? "Tudo pode ser. Se quiser será" como já dizia nossa rainha Xuxa. Mas se você concentrar toda a sua energia no resultado, a coisa desanda. Você fica ansiosa, fala demais, ou de menos, entra em pânico e o/a crush vai considerar chamar uma ambulância pra te socorrer tamanho desespero estampado na sua cara. Não queremos isso! 

Tenha em mente o seguinte: não existe mal nenhum em se expressar. Isso vale pra tudo na vida. Falar o que sente (ou o que não sente) evita desentendimentos, gera empatia, responsabilidade afetiva, discussões construtivas e até uns beijinhos, por que não? No flerte você mostra pra outra pessoa, sem pressão alguma, que você gostou dela. Que algo nela chamou a sua atenção. Pronto. Não dói nada. O estigma da rejeição é superestimado. Vamos colocar a mão na consciência e entender que não somos irresistíveis, mesmo sendo maravilhosas. É absolutamente natural que o outro não esteja na mesma vibração que você e tá tudo bem! Você não deixa de ser quem é por causa dos conceitos e até projeções de outra pessoa. Parte pra outra e divirta-se!
Sem mais delongas, vamos para a prática.

1. Flerte primeiro com você

Se namore no espelho antes de sair, mesmo que seja pra comprar pão. Eu sei que eu bato sempre nessa tecla do auto apreço, mas é fato que se você não se achar interessante, dificilmente outras pessoas acharão.
Mas vale ressaltar que:
Amor próprio não é obrigação. É construção. Isso vale para qualquer relacionamento, inclusive o seu consigo mesma. Portanto não se cobre uma autoestima irretocável. Se conquiste, se paquere no seu tempo. Respeite os seus momentos. Dito isso, continuemos.
Ainda no espelho, observe a fada descendente de Afrodite refletida. Olha que mulherão, que obra de Da Vinci cheia de mistérios, enigmas e malícia!
É bem por aí mesmo. Exalte sua singularidade.
Sorria, abuse das caras e bocas, se perceba. Conheça suas expressões, se observe mais. Isso gera confiança e alimenta deliciosamente sua autoestima. E nutrição pra autoestima nunca é demais.
Flerte primeiro com você.

2. esteja à vontade consigo mesma
Agora que você está bem alimentada de amor próprio, tá na hora de se exibir. Sua chegada num ambiente, online ou físico, é notada pela confiança que você traz consigo. Taí a importância do passo 1.
Não importa o quê ou quanto você veste, se está maquiada ou não, de salto ou rasteirinha. Esteja à vontade consigo mesma. Não existe nada mais sexy do que estar à vontade com o seu corpo, seu estilo, seu papo.

3. não tenho medo de interagir

Puxe conversa sem medo. Seja você, naturalmente. De forma alguma tente parecer outra pessoa para impressionar quem quer que seja. Apresente-se com a segurança natural que você já tem. Livre-se da carga de depender da aprovação do outro.

4. Mantenha contato visual e o melhor da festa: sorria!

O seu sorriso, além de contagiante, é um convite para quem está inseguro em se aproximar de você. É uma autorização informal de que está tudo bem um contato mais próximo.

5. atenção aos joguinhos!

Evite. E sobretudo não se envolva nos joguinhos dos outros. É muito chato quando um simples flerte se torna uma defesa de TCC. Se notar que o outro está caminhando para joguinhos emocionais, caia fora o mais rápido possível. O flerte não precisa doer, tampouco te fazer sofrer, se sentir rejeitada e constantemente sob avaliação. Lembre-se: é pra ser divertido!

Tudo em ordem, sem medo, sem joguinhos, interesse mútuo? Agora é com você, pequena gafanhota. Faça o que sentir vontade. O que ambos sentirem vontade.

Mas se não deu com este? Parte pra outra, sem nóia! Sua auto imagem independe das impressões do outro. Você se conhece melhor do que ninguém e uma perspectiva externa não pode validar toda uma vida de convivência consigo mesma. Você sabe que é uma ótima companhia, mas a outra pessoa tem todo o direito de não se interessar.
E por fim, lembre-se sempre de amar o próximo.
Próximooo!







segunda-feira, 24 de junho de 2019

Relações modernas e sua liquidez

Anoiteceu e eu estava distraída demais por qualquer edição de texto ou procrastinação latente. Não percebi que ele partia. Escrevi, sorri, chorei e não percebi sua ausência, como de costume. Voltei pra realidade, visitei as redes sociais e ri da atual e ridícula situação política do país traduzida (sabiamente!) em memes.  E lá estava ele, online, sem falar comigo. Deixei o orgulho de lado e o chamei pelo apelido carinhoso que nos demos. Demorou a responder e respondeu frio, como de costume.  O pouco de dignidade que me restava me dizia pra encerrar a conversa ali, já que visivelmente ele não estava interessado em falar. Nem parecia o mesmo cara de alguns dias atrás que fazia de tudo pra me ver, nem se fosse por 15 minutos pra um café e um cigarro. Mais uma vez deixei o orgulho de lado, reduzindo ainda mais a minha dignidade, tentando, sem sucesso, fazê-lo sentir alguma coisa, qualquer lembrança, alguma migalha de demonstração de afeto. Silêncio. Nenhum áudio, nenhuma mensagem. Eu o havia perdido, isso já estava mais do que claro. O que não ficou claro foi o momento em que eu o deixei partir. Eu sempre fui tão distraída... Alguns meses de paixão tórrida reduzidos a mensagens não respondidas, perdidas em algum paraíso cibernético. Não foi só um sexo incrível, uma amizade divertida, ou a melhor companhia pra fazer um som numa noite chuvosa. Foi muito mais e ele sabe. Assim como eu sei. Hoje em dia, com tanta facilidade para se relacionar, conhecer cada vez mais pessoas e com tantos aplicativos exercendo o papel de ponte entre elas, os amores têm sido mais breves, líquidos, descartáveis.  Nos interessamos tanto quanto nos entediamos com as histórias do outro, as vivências e todo o universo que nele habita. Estamos cada vez mais cheios de tantas informações vazias. Tomei um chá de camomila seguido de uma dose generosa de vodka e comecei a ler o livro que eu havia comprado pra dar-lhe de presente de aniversário. É um bom livro realmente, como ele costumava elogiar, dizendo o quanto era difícil encontrar um exemplar dele. Eu encontrei e ele nem mesmo sabe, já que decidiu se ausentar dos meus dias. Ah, a liquidez das relações modernas me intriga ao mesmo tempo que me cega. Quantas vezes fui eu quem se afastou de repente, por preguiça ou tédio?  Amanheceu. Recomecei minha rotina: escovar os dentes, banho pra despertar, um café amargo e um cigarro. Respondi as mensagens de "bom dia" de alguns "contatinhos" sem a frieza que antes me moldava para os parâmetros de decepções anteriores. Afinal, são só pessoas. Talvez um pouco perdidas, mas ainda sim, só pessoas e seus universos particulares. Continuo ainda incansável na fuga da liquidez que me esvazia. Constantemente. Logo eu que me permito transbordar sem cerimônia. Não me envergonho de ser inteira nesse mundo em pedaços e cheio de metades ocupadas demais, similares demais para se encontrar. Consequência da futilidade de criar e desfazer laços instantaneamente. O café? Inevitavelmente esfriou. Assim como a paixão que antes fervia.



quarta-feira, 12 de junho de 2019

Quando a representatividade se torna tóxica: até onde ir em busca de likes?


Representatividade salva vidas e isso é inegável. Mas por muito tempo, nós mulheres, passamos despercebidas, à margem da sociedade, de segundo plano pra baixo, com opiniões desvalorizadas e todas as nossas vontades invisíveis. Ou melhor, visíveis apenas como objeto para apreciação masculina.
Atualmente, passamos a nos enxergar na mídia, na publicidade, na moda, no entretenimento e mais. Isso é representatividade. Não mais como objeto, mas como geradoras e consumidoras de conteúdo. Lacuna essencial para evolução da sociedade e empoderamento feminino. Precisávamos ser lembradas como geradoras de capital, consumidoras e assim por diante.
Porém, como nem tudo são flores, existe um momento em que aquilo que deveria nos representar se torna algo tóxico. Isso acontece quando parte-se para glamurização/banalização de tudo, sobretudo do dia-dia. Daí em diante você já não se identifica mais com aquela “realidade” e mais uma vez, não se sente mais representada. É esse o gatilho que te faz pensar que sua vida é uma droga, afinal todas as pessoas que você admira e se espelha tem uma vida muito diferente, atraente, nada comum, tal qual você não tem.

Spoiler: tá todo mundo mal.

A internet é um campo de muitos encontros, mas também é o lugar comum de muita solidão glamurizada.
Há 1 mês mais ou menos, eu decidi me desligar um pouco. Além da reflexão proposta aqui, meu afastamento das redes foi um alívio para minha saúde mental. Manter-se bem informada na atual conjectura e ainda mentalmente saudável, é desafiador. Pausas são necessárias. E particularmente, estava perdida nesse universo de superficialidades. Quando você consome e gera conteúdo, isso é muito corriqueiro. Ninguém está imune. Independe de fraqueza.
O que me fez querer sair desse looping foi algo muito simples: uma foto postada por uma das influencers que admiro muito e por quem me sinto muito representada. A questão não foi a nudez. Era de hábito dela e meu também, porque além de consumir, também gero conteúdo. Já me despi diante das lentes várias vezes com o objetivo de inspirar outras mulheres a amarem a si e seus corpos. Mostrando que cada detalhe, cada dobrinha, cada cicatriz, é uma história contada em silêncio.
O que me chamou a atenção foi o desconforto ao expor seu corpo num momento em que ela não queria fazê-lo. Aquele já não era um ato de empoderamento e inspiração como de costume. Era apenas uma forma de alimentar as redes em busca de engajamento, likes e followers. Neste ponto de interpretação, entenda a nudez "coagida" como despir-se de todas as suas defesas e estar vulnerável diante de desconhecidos. Seja tomando decisões simples que caberiam somente a você, mas considerando a opinião de terceiros, à perder-se numa realidade virtual, esquecendo-se que a vida real e o seu tempo estão passando sem que você note.
Foi aí que me perguntei até onde devemos ir para conseguir a devida atenção nas redes de aparências. E qual o real significado da buscar por tantos seguidores e tanta audiência, se para isso eu preciso estar desconfortável e com o psicológico afetado. No fim do dia só restam o desconforto e a solidão indesejada, junto a um monte de likes e a simulada (ou dissimulada) aprovação de pessoas que provavelmente você nem conhece. Vale a pena? Vale a pena trair a si mesma? Qual a importância da aprovação alheia se tudo o que você precisa é a sua própria aprovação?

O amor próprio também consiste em dizer não.

Gerar conteúdo dessa forma, baseado em auto-desconforto e na exposição forçada é tão tóxico pra quem gera quanto pra quem consome. Mas indiscutivelmente mais tóxico pra quem gera. Estamos num momento de ascensão do empoderamento feminino e é inaceitável que ainda compremos a ideia de qualquer tipo de manipulação pela audiência. Sua saúde mental vale muito mais do que isso. Esteja confortável na sua pele, nas suas redes, em qualquer lugar. E se mostre sim, o quanto quiser. Você pode e deve, se essa for sua vontade. E não a vontade dos outros.




terça-feira, 11 de junho de 2019

Responsabilidade Afetiva

Tá aí uma coisa da qual eu sempre falei, conhecia bem, mas não exercia: responsabilidade afetiva.   

Em momentos em que eu não estava pronta ou disposta a me relacionar (como agora), permitia que pessoas entrassem na minha vida sem me responsabilizar por possíveis danos. Fosse por carência ou auto-afirmação, existia a necessidade de provar pra mim mesma e para os outros que eu sou especial. Mas na real eu não sou. Na real ninguém é. E carregar isso como uma verdade, é pesado. 

Afinal, se você de fato é especial, você precisa agir como tal. Um looping que, definitivamente, não vale a pena ver de novo.  


É impossível deixar de conhecer pessoas. Somos sociáveis por natureza. E seja comprando pão ou navegando nas redes sociais trancado em sua masmorra, você vai conhecer pessoas. Por exemplo, nesta janelinha para o mundo (internet), qualquer atitude sua numa vastidão de aparências, vai te apresentar pessoas. E tá tudo bem.   


Porque o problema não é conhecê-las, o problema é omitir que, embora sua porta esteja aberta, você não está apto para visitações.   Falo isso como alguém que passou boa parte da vida confusa a respeito dos próprios sentimentos, momentos e fases. É a questão da auto-afirmação que quando se é muito jovem (independente de idade), torna-se um hobby. 


Mas por favor, não espere tanto tempo assim pra cuidar da expectativa do outro. Porque a expectativa do outro sobre você, também é sua responsabilidade. Procure deixar claro se você está ou não disponível emocionalmente. E se você não souber em que fase da vida está, é exatamente neste momento em que não deve permitir visitantes. Afinal, não é justo a sua indecisão pessoal afligir as certezas do outro. 




quinta-feira, 11 de abril de 2019

Primeiro apaixone-se por você

Quando nos apaixonamos por alguém, queremos mostrar o melhor de nós. Nos cuidamos mais, nos vestimos melhor (deixamos o moletom de lado rs), nos perfumamos com aquelas essências para "ocasiões especiais" e por aí vai.
Fazemos todo o possível para que o outro veja nosso melhor lado, nossa melhor versão. Na tentativa de se fazer notar por aquela pessoa que habita os pensamentos mais utópicos românticos cabalísticos. Mas você já pensou em tratar a si da mesma forma?
Imagina só, o começo de um relacionamento tórrido. Paixão nascendo. Você quer ser melhor. Quer impressionar, quer ser única. Então, por que não resgatar essa história de amor próprio que ficou perdida no caminho, ao invés de buscar amor dos outros? Que tal investir nesse romance que tem tudo pra dar certo? E o que te impede de (re)começar a se paquerar?

Parece bobo à princípio, mas a sensação de ser cortejada pelo amor da sua vida (que é VOCÊ! Caso ainda restem dúvidas) é maravilhosa. Assim como na rotina dos relacionamentos desgastados, deixamos de apreciar o simples. Os detalhes. Sabe esse seu jeito de lidar com as diversas situações na sua vida? Ele é só seu. Ninguém tem essa maestria singular de saber o que é melhor pra você. Ninguém nesse mundão de minha Deusa tem as suas características, ou seu jeitinho de entrar e sair de lugares. Ou problemas. Apenas você é assim.
E esse lance de se paquerar é delicioso. Além de essencial. Ninguém vai passar mais tempo com você do que você mesma. Portanto enriqueça esse relacionamento.
Quer exemplos práticos? Aí vai:

Tome um banho daqueles de pré encontro, com direito a hidratação dos pés a cabeça. Massageie seus cabelos, sua pele, seu corpo com carinho e sem pressa. Deixe a água escorrer pelas suas dobrinhas (se você as tiver, como eu). Deixe que a água leve embora as inseguranças do hoje. Sinta o seu corpo e leve o tempo que precisar. E não é desperdício de água não, fada sensata! O meio ambiente aguenta e até conspira para que você se sinta bem.

Use aquela camisola, lingerie que você guarda apenas para um possível pretendente, de uma possível noite mágica. Nem vem dizer que não tem, porque eu sei que tem sim um look sedutor/matador guardado aí. Tem ocasião mais especial do que se encontrar?

Prepare, ou peça aquela comidinha que você ama para um jantar/almoço/whatever especial. Cozinhar pra si também é terapêutico. A ocasião pede.

Ponha pra tocar suas músicas favoritas em som ambiente ou nas alturas. Crie o clima. Divirta-se com você. Dance, cante alto. Você merece sim todo o amor apenas por ser quem é.


Se olhe no espelho sem procurar "defeitos". Este corpo que você vê refletido te acompanha e acompanhará até o fim. Sorri, chora, alerta quando necessário, respira, se movimenta, movimenta outras vidas. Segue firme te possibilitando fazer absolutamente tudo o que você precisa. Como não amar alguém que faz tudo por você?

Ainda diante do espelho, explore o seu corpo. Veja as pintas que você não tinha reparado antes. Cicatrizes que denunciam sua história vividamente. Todas as marcas de expressão mostrando o quanto você já se fez feliz sem nem notar que o tempo todo, era você quem estava ali, te cuidando. Foi você que tomou as decisões que te trouxeram até aqui. Foram todas as mulheres que um dia você foi que te transformaram na mulher que você é hoje. Observe-se com carinho. E principalmente com gentileza.


Medite. Mas medite sobre você. A meditação é uma prática transformadora. Te coloca em equilíbrio com você e com o todo. Mas meditar sobre si é um empurrãozinho pra que você se derreta de amor próprio. Tire 10 minutinhos do seu dia para desacelerar e relembrar a mulher maravilhosa que é. Pense nas suas conquistas, mesmo as mínimas, como conseguir desembaraçar o cabelo. Ou acordar cedo, não se atrasar, ser uma boa profissional, ter finalmente se livrado de um embuste e por aí vai. Sorria pra você. Seja grata a você. Enalteça você! Porque tudo o que vale a pena, provém de você.


Existe uma falácia circulando há séculos de que a mulher deve ser modesta. Que esse sentimento de glória interior é pura vaidade. E que Amélia, que não tinha a menor vaidade, é que era mulher de verdade. É fake news! Se livre dessas crenças limitantes o quanto antes.

Eu tenho uma teoria muito particular de que quem inventou essa história foi um homem com muito medo do poder natural/crescente/absoluto da mulher. Então, com o objetivo de atingir a "moral feminina", veio com essa fábula de que mulher que se acha é arrogante e/ou vulgar.
Pois se ache sim. Sobretudo, se encontre.

Você é um mulherão da porra e deveria estar ciente disso! Não há arrogância em saber e reconhecer a mulher que você é. E não há nada mais lindo do que uma mulher que se apaixona por ela mesma, mesmo nos dias mais difíceis. Afinal, como em qualquer relacionamento, nem todo dia é azul com bolinhas brancas. Mas todo dia é dia de se enxergar com gentileza.

"Querida, nunca mais se deixe esquecer aonde nasce e mora todo o amor."