quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Todos nos tornamos nossos pais

Não existe família perfeita.
Nem todas têm pais amorosos e com responsabilidade e nestes casos, existem problemas sociais e estruturais entranhados nessa dinâmica.
Sabemos (ou deveríamos saber) que não existem soluções fáceis para problemas difíceis. Somos, inevitavelmente, frutos do meio, porque é a dinâmica que conhecemos. Dito isso, não confundir estrutura social e relações abusivas com divergência de visão dentro do convívio familiar. Convivência é difícil em qualquer lugar, até mesmo numa aldeia hippie (inclusive, saudades). Não seria diferente no âmbito familiar. Principalmente no âmbito familiar.
Passei muito tempo, especialmente a adolescência, tendo problemas de convivência com a minha família. Todo adolescente tem a fantasia de mudar o mundo, começando pela própria casa. E eu achava que discordar era o suficiente para me tornar a própria Virginia Woolf revolucionária. Por isso, discordava energicamente de comportamentos que, hoje eu sei, estavam muito além do meu entendimento naquela época. Todos esses problemas eram, geralmente, direcionados a minha mãe. Vou me ater apenas a ela, porque o meu pai já partiu, portanto alcançou a perfeição. A morte tem o hábito de ressaltar as qualidades de quem ela abraça.
Em discussões mais acaloradas, costumava dizer que jamais seria como ela. Fazia críticas duras sobre seu olhar pouco romântico em relação a vida, vício em organização, preconceitos e feridas que ela trouxe consigo, graças a sua criação e que por sua vez, também fazia críticas duras a mãe dela. Samsara: ciclo vicioso.
No fim das contas, todos nos tornamos nossos pais. Talvez isso lhe possa parecer absurdo, dependendo do seu ponto de vista ou em que pé anda sua vida. Mas em algum momento, você concordará e provavelmente, vai rir dessa ironia. Em momentos em que me distanciei dessa convivência, por vezes me peguei fazendo as coisas que mais me irritavam na minha mãe. Perdendo a ludicidade, me sobrecarregando da vida prática, reclamando ao acordar, tendo verdadeiro vício por organização e me irritando com visitas que tiravam as coisas do lugar. Tudo isso acontecia de maneira tão natural que quando me dei conta só pude rir. Eu fui a piada. Todos nós fomos um dia.
Acredito que os filhos chegam para ensinar os pais a terem paciência. E os pais, no deserto da dúvida se estão fazendo o certo ou não, seguem o caminho oposto. Seguem pela impaciência. E tá tudo bem, estamos todos aprendendo.
Eu não sou mãe. E não sei se um dia serei. Mas à essa altura da vida, consigo entender e até mesmo reproduzir muita coisa que antes me causava estranheza.
Aquela garota que ia mudar o mundo, não está necessariamente em cima do muro. Está na parte pouco extraordinária, passando um café às cinco da tarde. Hoje, sou mais parecida com minha mãe do que em qualquer outro momento da minha vida.
Procuro não esquecer o casaco, porque sempre pode esfriar. Desligo o registro do gás, verifico as janelas e sempre vou ao banheiro antes de sair. A verdade é que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.".
Belchior e seus presságios batidos, sempre presentes e, ainda assim, tão atuais.



Nenhum comentário:

Postar um comentário