terça-feira, 20 de março de 2018

1 cigarro, 107 pensamentos

4:33 da manhã. 1 cigarro. 107 pensamentos borbulhando na mente que sacanamente, mente para as paredes.
   Mente sobre a saudade que não sinto. Sobre os medos que não tenho. Sobre a sopa que não deixei queimar. Sobre os poemas manuscritos que não estão espalhados pelo chão da sala. Sobre as marcas que ele não deixou no meu corpo e, como eu não me excito ao vê-las no reflexo do espelho. Sobre o riso devasso que não se desenhou nos meus lábios agora mesmo.
   Mente, descaradamente, mente.
   Silêncio. Aquele típico do amanhecer, que afoga todos os sentidos numa imersão de desejos calados pelo “não” presente. Ele ausente. Eu, descrente.
   Sigo pela noite que finda nesse quarto, à mercê de repetidas queixas berradas com paixão. Ou pela escassez muda dela.
   Mente o "não" em apuros. Na desordem dos seus blefes falidos. Pois quer acreditar que ausências lhe trarão as respostas além dos nãos que fazem ciranda à sua volta. Ou pelo menos acredita que lhe trarão a paz de ser apenas 1. Como se pudesse vencer os ponteiros da própria jornada tão somente com teimosia.
Minha saudade faz presença nesses devaneios madrugais. Mas, fora esse impasse aflito, tudo corre bem como nunca. Tudo está em ordem dentro da desordem.
A luz do dia invade o meu quarto numa sutileza impar. E ilumina todos os sins observando os nãos em desespero. Rio. Um mar inteiro do meu riso. Lembro apenas que nenhum “não” dele é capaz de resistir ao meu riso. Rio mais ainda pela certeza de uma ausência breve. E mesmo que não seja breve, há muitos sins sorrindo pra mim de volta.
Não há preocupação senão a de providenciar cigarros. Ou acidentes de percurso, que é quase a mesma coisa.