terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Partir às pressas

(Preferencialmente ler ouvindo "Bedshaped" - Keane)

Ir embora pode ser um ato de covardia. De coragem. Ou tão somente uma atitude de auto-amor.
É um passo que dá um medo absurdo. E há muita culpa no partir. A sensação de abandonar o barco afundando, o egoísmo que isso parece carregar... Machuca. E não é pouco.
Só que não se pode (nunca) esquecer que, pra salvar alguém, o barco ou até o (a)mar inteiro, você PRECISA sobreviver. Se afundar junto, não haverão chances, opções ou sobreviventes. Pular fora, levando o que dá, dá mesmo um aperto no peito.
Há também um medo de magoar o outro, que paira sobre as nossas cabeças como uma nuvem carregada de chuva, prestes a desaguar. Mas sabe, assim como as alegrias que deixamos nos outros, as mágoas e o tanto que elas duram não são nossa responsabilidade. Cada um tem o seu tempo.
O simples movimento de migrar, desencadeia uma série de ações, reações, alívios e dores. No entanto, é preciso partir. Do emprego que te faz infeliz, do relacionamento que fere mais do que afaga, dos laços umbilicais nem sempre tão saudáveis. É preciso partir. É preciso crescer.
Aí vai mais um clichê particular: a vida é curta demais pra se demorar na inércia do falso conforto.
E sobre os recomeços... Eles são constantes. Contínuos. Eu particularmente, caro leitor, recomeço involuntariamente todos os dias.
A alma que é facilmente tocada por tudo o que é novo, por tudo o que é arte, não tem outra rota além do recomeço. Tudo, absolutamente tudo depende do seu olhar pra si.
Porque a realidade dessa vida de meu deus, é que os céus, as horas, o tempo, o firmamento, os deuses permanecem os mesmos independente de você. O que muda é você. Todo o externo permanecerá, seja cinza ou azul. Mas não você.
Esses recomeços quase sempre são desconhecidos. Mas eu prometo voltar pra contar.
Uma coisa eu já posso afirmar: se perdoar por querer ir embora e, perdoar o outro por ainda não entender, ajuda muito.


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Geração Líquida

Nem todo dia é fácil ou bom. E de antemão te digo: tá tudo bem. Tá tudo bem não estar bem o tempo todo.
Existem milhares de pensamentos passando pela sua cabeça segundo à segundo. E além da sobrecarga interna, existe a pressão, o excesso de informação do lado de fora da gente.
A falsa felicidade pregada nas redes sociais nos fazem sentir fragmentos de frustrações que podem crescer, ou, se você é um monge, você pode esquecer. Acredite: ninguém é tão feliz quanto "posta". E as suas frustrações não são tão diferentes da maioria: latentes e escondidas nas fotografias paisagísticas e instagrâmicas.
Além de toda essa balela que temos que lidar diariamente, existe a liquidez crescente das relações. Junto com ela, a variedade de "amigos" e "amores" com duração menor que a estimativa de vida de borboletas. E, para combater a solidão (aquela que não gostamos, quando NÃO queremos estar sós) nos colocamos à exposição nos cardápios digitais, forjando afetos plásticos e instantâneos.
Nos alimentamos de curtidas e matchs na busca incessante de endorfinas genéricas. Estamos todos conectados nas redes. Mas desconectados no emocional. Não é à toa que somos a geração que mais se deprime. Tende-se lidar com as cobranças, excessos, mais cobranças, mais excessos... E o psicológico padece.
Em que momento deixamos as coisas simples da vida se perderem? Em que momento VOCÊ deixou?
Amanhã. Outro dia. Outra liquidez à vista. Outra pessoa, outro match, outro mundo pra visitar.
Café amargo, lembranças doces, incógnitas gigantescas. Nos acostumamos. Mas não deveríamos.
Não estou dizendo que experimentar pessoas seja o martírio da atualidade. Muito pelo contrário: é delicioso visitar tantos universos, ideias, pensamentos diferentes do teu. Porém, experimentar apenas não é o bastante. Por isso estamos sempre famintos. E, inegavelmente, exaustos.
Seguindo o curso da sobrevivência humana, naturalmente nos adaptamos. Nos adaptamos à pressa do cotidiano, ao café meio morno, à ausência de gozo, aos fins sem despedidas adequadas. Nos adaptamos ao automático de nós mesmos.
Por isso, pare agora e olhe pra si.
Será que é possível desligar o teu automático hoje?
Porque no final das contas, caro amigo, estamos todos sós.
E já que estamos todos sós, estamos juntos nisso também.


quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Não romantize migalhas

Já em 1936, Chaplin mostrava em "Tempos Modernos" que os tempos modernos acabariam nos enlouquecendo. Embora a história retrate a revolução industrial, se trouxemos pros dias de hoje, a "modernidade" nos aflige, nos repete, nos coloca no automático.
Hoje, não é a tecnologia que tende a nos acompanhar. Nós é que tendemos a acompanhá-la em seu ritmo acelerado. Vivemos relações líquidas e nos sentimos cada dia mais sós. Atente-se pra sós. Solidão e solitude são muito diferentes.
Estar só por vontade própria, pelo prazer de apreciar sua própria companhia é a consequência de se conhecer bem. Solitude.  Mas estar só pela liquidez das nossas relações, pela falta de tato com o outro, justamente pela ausência de convivência, é solidão.
Chegamos as migalhas. E romantizamos essas migalhas. Tantas pessoas em nossas redes sociais, compartilhando o que já não têm: a plenitude de ser.
Substituem por hastags e o vazio do ter.  Por isso, se o Wi-Fi da sua casa ou trabalho cair, aproveite pra tomar um café. Respirar sem instagramear. Sair sem marcar localização. Aprender que o novo vem e é bem-vindo. Mas que a essência é o primevo.