segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Mundo Líquido: a negação da própria humanidade

Zygmunt Bauman, além de sociólogo, foi um dos intelectuais mais influentes do início do século XXI. Desenvolveu e cunhou o conceito de modernidade líquida que, segundo ele, a sua principal característica é derreter os sólidos que a sociedade recebe: estruturas políticas, econômicas e sociais, assim como as relações estabelecidas entre pessoas. Estas são dissolvidas e muito rapidamente, substituídas por estruturas tão frágeis quanto as anteriores, chegando enfim na liquidez, que não tem estrutura, nem forma.
No estudo de Bauman, a liquidez é uma metáfora para a instabilidade e inconstância em que vivemos, estendendo-se para todos os pilares que formam uma sociedade. Construir estruturas leva tempo, requer esforço e energia. E é aqui que quero chegar: a cultura do imediatismo. Tudo é muito rápido, inconstante e imediato. Todas as mudanças chegam numa velocidade impossível de acompanhar, o que nos dá uma sensação de sempre estarmos perdendo algo, absorvendo pouco e rendendo muito menos do que é proposto, seja escancaradamente ou nas entrelinhas. Para o imediatismo, nunca somos suficientes.
Exemplo disso, são as redes sociais que nos trazem a ilusão de que causamos impacto na sociedade e que por isso devemos exercer o papel de influenciadores, mostrando uma vida perfeitamente editada. Mas até mesmo essa ilusão é rapidamente dissolvida e substituída por pura e amarga frustração. Daí compramos a ideia de produzir o máximo possível e, pouco a pouco, esquecemos de como é viver sem se instagramear.
Para além disto, a cultura do imediatismo vem atrelada a uma positividade excessiva, de que tudo deve ser muito bom, muito perfeito e absolutamente funcional. Mas o ser humano não é inteiramente bom, tampouco perfeito e, definitivamente, não somos 100% funcionais. Há a demonstração berrada de uma felicidade plástica e editada. Nos bastidores, vivemos uma infelicidade que é potencializada, justamente pelo excesso de máscaras, escondendo insatisfações legítimas (ou não). É como se estivéssemos renunciando a imperfeição natural do ser.
Perdemos os valores sólidos aos quais poderíamos nos agarrar quando a maré é mais forte. E não estou fazendo referência ao conservadorismo cego que as gerações anteriores vivenciaram e que alguns ainda tentam impor aos dias de hoje. Não. Estou falando sobre estruturas que poderiam ser mutáveis, não dissolvidas. Tudo é instantâneo, logo, tudo é inseguro.
Um bom exercício de auto percepção é, sem pensar muito, responder para si quem você é. Você consegue? E se alguém te perguntasse agora o quê e como você se sente, você saberia responder? Aí está: muita informação, pouca formação, sobretudo formação de opinião. Tomamos decisões à partir do que encontramos na internet e, acreditamos que se está em solo cibernético, é verdade e verdades não devem ser contestadas.
Diariamente, somos instruídos no que vestir, o que comer, o que comprar, onde investir, em quem votar, com quem sair, quando transar, como seduzir, como se distanciar e assim por diante. Perdemos a nossa autonomia e a ideia de livre-arbítrio é cada vez mais rasa. Nos tornamos reféns de nós mesmos e dos nossos hábitos de consumo.
Em tempo: este não é um manifesto contra a tecnologia. Não fosse por ela, você não estaria lendo este texto agora. A tecnologia não é o problema. Nós e a forma como a utilizamos é o problema. Portanto, é preciso estar atento a própria autonomia e consciente do alto preço por abrir mão dela.
Por fim, “Tudo é mais fácil na vida virtual, mas perdemos a arte das relações sociais.”
Zygmunt Bauman.