terça-feira, 24 de julho de 2018

Canes: Sol, mar e amor

Em meio à babel de um cotidiano sistematizado, planificado, de horas marcadas e preenchidas, fui desviada para uma atmosfera de ar puro (segundo dados aleatórios de pesquisas de mesas de bar), muito verde, a textura da terra úmida direto nos pés e vento com cheiro de mar. Restava-me agradecer ao universo pela bagunça e suas surpreendentes conjecturas.

Minha sorte é esbarrar com gente que sabe se mostrar. E como o extraordinário se esconde em gestos pequenos, não é difícil notar se permanecemos de olhos abertos para o novo. Tudo se torna novo sempre que mudamos de ângulo, passeando por ópticas diversas.

Cidade pequena, moça estranha da cidade grande e com quase 2 metros de altura... Poderia ser uma profecia de Raulzito. Mas era só uma forasteira procurando onde comprar cigarros numa tarde de quarta-feira. Sorridente, a poetisa se deleita com a paz do lugar e o som do mar preenchendo qualquer silêncio.

Embora fosse novo o lugar, sosseguei no meu lar, que sou eu. E da janela de mim, não deixei passar um detalhe sequer. Engana-se quem pensa que eu sou deveras distraída. Para tudo que estimula minha curiosidade, permaneço atenta, mesmo em meu silêncio previsivelmente cogitativo.

Eram muitos os planos e cronogramas bem organizados. Mas ao chegar, deixei os planos e as malas no chão. Deixei-me bagunçar por ele, de olhos tão atentos aos meus movimentos e expressões. A desordem deu-se à mente, aos cabelos, pernas entrelaçadas, à casa e às horas correndo, fugitivas dos ponteiros. Como dizia Saint-Exupéry: “Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer.”.

Ao findar o dia, tinha decorado ¼ da sua geografia. Talvez mais, nunca fui muito boa em geografia. Logo voltei a desbravá-lo, tentando mapear suas pintas e contornos. Ele prontamente fez o mesmo sem hesitar. Por horas, talvez dias, não tenho certeza, nossos olhos passearam um pelo outro, encontrando-se vez ou outra num sorriso de rosto todo (que sorri boca, dentes, olhos, sobrancelhas e pupilas dilatadas). E enquanto me fitava, sussurrava asneiras tormentas:

- Você existe de verdade?

Deixei-lhe apenas um poema, escrito à próprio punho como prova de que eu estive ali. Um poema. Nada mais, nada menos.

Acordei na cidade grande, com barulhos de buzinas, apressados e seus cicerones. Se outrora as horas pareciam correr, agora se arrastam preguiçosas, tentando alcançar o ritmo da vida prática, junto às massas que se apressam em exceder seus ciclos e, acelerar o tempo em que não haverá mais tempo.

Me permiti não questionar,  abrindo os paladares, degustando memórias, esboçando sorrisos de rosto todo, despertando os sentidos.

E num dia frio de julho, me aqueci com fragmentos daqueles dias em Canes.

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